fonte: http://1re.metodista.org.br/
Hoje é o dia em que se comemora a autonomia do metodismo brasileiro, trazido para o nosso país por missionários e missionárias oriundos dos Estados Unidos. Neste dia se comemora também um ano de aniversário do Centro de Memória Metodista, inaugurado nesta data tão significativa, em 2010. E é resgatando a memória metodista, que republicamos artigo de João Wesley Dornellas, publicado originalmente na revista Caminhando, nº 2, v.10, de 2005.
Na foto, o Reverendo William Tarboux (esquerda) e César Dacorso.
DIA DA AUTONOMIA METODISTA:
César Dacorso Filho, o consolidador da autonomia do metodismo brasileiro
Este não é, caros leitores, um artigo acadêmico no estilo a que certamente se acostumaram a ler. Eu não tenho nenhuma pretensão de fazer uma análise da instituição do episcopado na Igreja Metodista do Brasil, nem considerações filosóficas sobre o Movimento da Autonomia, ambos muito pouco estudados em nossa Igreja. Nossa Igreja no Brasil nunca teve muito apreço pela história e, assim, muitos documentos, cartas e depoimentos, que seriam de fundamental importância nas comemorações do 75º aniversário da Autonomia, não foram devidamente preservados.
Por outro lado, os protagonistas daqueles anos que a antecederam, que lutaram por ela e ajudaram a implantá-la no princípio da década de 1930, já foram chamados ao Lar Celestial. Felizmente, os tempos estão mudando em nossa Igreja e o estudo de sua história, até mesmo para evitar os erros do passado, começa a ser incentivado. Esta edição de Caminhando, com ênfase em diversos aspectos de nossa Autonomia, é um exemplo disto. Pena é que as gerações passadas de metodistas, leigos e pastores, não tiveram a necessária visão, ou os recursos adequados, para preservar informações, que hoje nos fazem muita falta, para podermos analisar de maneira objetiva os fatos importantes de nossa caminhada. A nossa Faculdade de Teologia é possivelmente a única instituição que tem preservado documentos de nossa história e isso deve ser incentivado, especialmente no sentido de todo esse material ser disponibilizado de maneira digital. Temos poucos livros escritos sobre a História do Metodismo no Brasil e eles são fruto muito mais da pertinácia de seus autores do que um serviço objetivo de pesquisa. Porque a Igreja é movida a esperança, precisamos resgatar a nossa memória. É o conselho que nos dá o profeta Jeremias: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança”. [1]
Proponho-me a justificar o título deste artigo através de excertos do que ele escreveu, especialmente por meio do Expositor Cristão, e em cartas que ele dirigiu a meu pai, que foi seu superintendente distrital por muitos anos, nos quais se pode constatar seu grande amor à Igreja Metodista, sua extrema fidelidade a suas doutrinas e práticas históricas, sua preocupação com a unidade da Igreja, sua ênfase na evangelização (apesar de muitas pessoas desinformadas insistirem em dizer que ele foi apenas um administrador e não um evangelista) e, também, suas qualidades de liderança, sem perder nunca sua autoridade que, no entanto, quase sempre, era exercida com humildade, serenidade e mansidão, e, por último, o seu talento organizador. O somatório de todos esses fatores e a doação que César Dacorso Filho fez de sua própria vida em virtude de seu chamado, credenciaram-no a ser, na minha opinião, descontados alguns erros que todos cometem, o maior nome do Metodismo no Brasil.
Evocar tudo o que César publicou no Expositor Cristão nos seus 21 anos de episcopado não caberia num simples artigo. Valho-me, portanto, só de materiais publicados em 1934, seu primeiro ano como bispo, que dão um retrato bem nítido do que seria o seu episcopado, já que ele nunca se acomodou em suas atividades. Também me socorro, além de alguns depoimentos publicados sobre ele e de minha experiência pessoal, de trechos de cartas, já quase no final de sua carreira, dirigidas a meu pai, que era seu superintendente distrital no Rio de Janeiro, nas quais ele mostra profunda coerência com o início do seu episcopado.
Convivi com César Dacorso Filho desde os dias de minha infância de filho de pastor até seu falecimento, em 1966, e dele sempre recebi um tratamento diferenciado. Acompanhei, portanto, desde menino, muitas daquelas atividades que, depois de sua atividade episcopal, não observei em outros que vieram após ele. Tenho em meu arquivo pessoal uma carta que ele me dirigiu em 28/08/1940, em resposta à carta que lhe enviei duas semanas antes, convidando-o a pregar no culto de gratidão pelo seu sétimo aniversário. Alguns anos depois, em novembro de 1944, então com 11 anos, aproveitei uma visita de fim de semana à nossa casa para pedir-lhe que me recebesse à comunhão da Igreja, porque meu pai não queria fazê-lo para não ter que receber outras crianças da mesma idade que, talvez, ainda não tivessem maturidade para o ato. Ele me sabatinou por quase duas horas, fez perguntas e discutiu questões sobre a Bíblia, a Igreja, doutrinas, práticas e muitas coisas mais. Ao final da conversa, depois de orar, ele prometeu me receber no culto da manhã do dia seguinte, no domingo dia 14.
As visitas de César à nossa casa eram freqüentes. Algumas vezes, era lá que ele, sem sedes regionais, sem secretária, sem os confortos modernos como telefone, fax e e-mails, colocava em dia o seu expediente episcopal. Mesmo depois de sua aposentadoria, a amizade com papai continuou intensa e, muitas vezes, ele passava alguns dias em nossa casa. O convívio com ele, com o que ele escrevia, com suas pregações inspiradas, os muitos concílios que o vi presidir com amor, zelo e, também, energia, tudo isto me dá certamente o necessário lastro para escrever este artigo.
Finalmente, para terminar esta longa introdução pessoal, preciso dizer que, na casa dos meus pais, que viviam intensamente para a igreja, o dia 2 de setembro, Dia da Autonomia, era muito mais importante do que o próprio dia 7, dia da Independência do Brasil. Nas igrejas que meu pai pastoreou, a Autonomia sempre foi condignamente comemorada.
Os anos iniciais da Autonomia – 1930 a 1934
A promulgação de nossa Autonomia, a elaboração de uma Constituição e a eleição do nosso primeiro bispo, cuja escolha recaiu em John William Tarboux, não tiveram o dom de realmente implantá-la e consolidá-la. Por diversos fatores. Um deles, as condições de saúde de Tarboux, eleito quando já estava jubilado e há alguns anos longe do Brasil. Ele tinha sido um dos nossos mais brilhantes pioneiros, ao lado de James L. Kennedy e Hugh C. Tucker, o chamado Trio de Ouro, justamente os três membros da Conferência de 1886, presidida pelo bispo J. C. Granbery, que transformou a missão em Igreja Metodista Episcopal do Sul, nome de nossa igreja até a Autonomia.
A igreja brasileira manifestou, nas conferências gerais de 1927 e 1929, as intenções de fazê-lo bispo da igreja autônoma. Chegou a pedir à Igreja Mãe que o elegesse e o nomeasse, em tempo integral, para o Brasil. É claro que não havia nenhuma obrigatoriedade de elegê-lo, mas ele, apesar de residir nos Estados Unidos, foi eleito, viajou para o Brasil e foi consagrado pouco mais de um mês depois, em 12 de outubro, na igreja do Catete.
Através das páginas do “Expositor Cristão”, que naquela época era quase que a única fonte de informação para a Igreja, pode-se sentir a alegria dos metodistas pela escolha de Tarboux, mas era evidente que carecíamos, para que a Autonomia fosse devidamente implantada, de um bispo mais jovem e, se possível, brasileiro. Um dos fatores negativos era a precária saúde de Tarboux. Ele passava no Brasil só 5 a 6 meses por ano. Com tanta coisa a ser feita, esse tempo era certamente insuficiente. As viagens de navio eram muito demoradas e quase que só havia comunicação epistolar.
Em artigo sobre o episcopado, publicado no Expositor Cristão [2], muito possivelmente escrito por Guaracy Silveira, que era o redator chefe do jornal e não tinha hábito de assinar suas matérias, ele comentou o trabalho de Tarboux como bispo:
... chamado em sua velhice para o cargo de tão grande responsabilidade, fez tudo quanto era lícito esperar dele, e muito acima do que poderíamos esperar, e ninguém duvida que ele foi o homem que Deus nos deparou para as notáveis realizações do Metodismo nestes três anos de sua vida autônoma.
Além da saúde de Tarboux e do pouco tempo passado no Brasil, havia outros problemas que impediam que Autonomia fosse consolidada imediatamente. Não havia Cânones e nem uma organização apropriada à vida autônoma, assim sendo, adotaram a Disciplina da Igreja dos Estados Unidos de 1922, imprópria para o Brasil.
Voltando ao texto presumido de Guaracy Silveira [3], nós encontramos elogios a Tarboux, mas uma grande preocupação com o futuro:
Mas é preciso notar que, se houvermos de escolher um homem para o futuro, não é mais para fazer o trabalho que coube ao bispo Tarboux, que só ele podia fazer e que ele já fez: há o trabalho de consolidação das igrejas, os planos de evangelização, os institutos ministeriais, a coordenação das forças, as possibilidades financeiras, a acomodação do ministério dentro dessas possibilidades e a escolha rigorosa de cada homem para seu verdadeiro lugar, como dizem os ingleses.
César Dacorso Filho foi o homem certo para a tarefa e ele planejava não ir ao Concílio Geral de Porto Alegre, que o elegeu. Um dos que tentaram convencê-lo a ir foi Guaracy Silveira, conforme é mencionado no Expositor Cristão [4], em depoimento sobre o novo bispo, no qual declara:
a eleição do novo bispo veio encher de alegria a todos que o conhecem. Moço humilde, de grande cultura, enérgico e capaz de resolver com prudência todas as dificuldades que surjam nos concílios e nos pastorados, sempre fiel e todas s obrigações dos cargos que tem ocupado, ele será nestes seis anos um fator de paz e desenvolvimento da Igreja.
Continuando o seu depoimento, Guaracy relata que, antes do Concílio Geral, lhe escrevera uma carta informando que um grupo do Concílio Central [5] escolhia o seu nome para bispo, tendo César respondido, em carta de quatro laudas, expondo os motivos que tinha para fugir à investidura. Guaracy completa: “motivos justos aos seus olhos, mas que aos nossos não impediam que o escolhêssemos. Homens assim, que fogem às honras, são os únicos capazes de cumprir os deveres que lhe são confiados”.
O início do episcopado de César
Relatarei, mais à frente, sua intensa agenda de trabalho para aquele ano de 1934. Gostaria, no entanto, de transcrever, antes, trechos de uma comunicação que fez no Expositor Cristão [6] especialmente aos pastores. Como se fosse um testemunho de que ele não exigia deles nem um pouco mais do exigia de si mesmo, ele fala do seu pastorado em Carangola, na Zona da Mata de Minas Gerais, para onde fora nomeado por Tarboux, depois de ter sido pastor de Belo Horizonte e Juiz de Fora:
Eu percorria território de cerca de 20 léguas de extensão, muitas vezes a cavalo e não raro a pé, visitava nada menos de onze cidades e povoados (Carangola, Faria Lemos, Caiana, Santa Rita de Cássia, Santa Clara, Tapera, São José da Pedra Dourada, Alvorada, São Francisco do Glória, Divino do Carangola e Espera Feliz) e ainda pregava em mais de 23 lugares (Cacau, Córrego das Pedras, Cafarnaum, Boa Fé, Serra, Serra Queimada, Ponte Branca, Água Espalhada, Arrependidos, Córrego do Ouro, Taquara Branca, Bom Jardim, Andes, Bonsucesso, Floresta, Boa Vista, São João do Norte, Frossard, Córrego do Camilão, Santa Cruz, Chico Dentistaa, Varginha, Ernestina e Laginha), sendo ao mesmo tempo superintendente do distrito mais difícil e penoso de toda a igreja.
Ao falar do trabalho com membros isolados em pequenas aldeias, César diz que “somos nós, os pastores, por nossas visitas, os vínculos que ligam os membros de uma paróquia num só corpo e nela os consolidamos”. Ele continua, enfático:
... nossa preocupação principal, nosso dever iniludível, nossa responsabilidade indesculpável, é viajar, visitando todos os nossos paroquianos, morem onde morarem dentro dos nossos territórios, e pregando onde for possível. Somos pastores para cuidar das ovelhas que nos foram confiadas. Somos ministros para ministrar à igreja e quantos a compõem ou dela se aproximam. Se desse modo não desejamos cumprir a nossa missão – se andarmos à cata de conveniências e comodidades pessoais, se queremos viajar de quando em quando e não sempre, se procurarmos visitar apenas os crentes de acesso mais fácil e não os de mais difícil – é melhor que peçamos disponibilidade e mesmo que desistamos do ministério. Venham outros para fazer o trabalho que não pretendemos fazer ou que pretendermos fazer mal. Oxalá se comece a fazer já o nosso exame de administração, nos concílios regionais, rigorosamente por esse prisma.
Finalizando essa pastoral, faz o apelo no seu estilo inconfundível:
Nossos dias, nossas horas, nossos minutos são poucos para o desempenho de nossas obrigações. Não procuremos, pois, coisa alguma que nos venha distrair do nosso trabalho. Nada de ocupações estranhas, ao ministério e ao pastorado – de curandeirismos, de rabulismos, de professorismos, de negocismos, de ismos de qualquer espécie. Nada de inovações nas congregações, que nos venham tomar tempo. Já temos as juntas, as sociedades, as comissões, as escolas dominicais, instituições oficiais que podem providenciar para todas as necessidades dos crentes e que, bem orientadas por nós e entregues aos leigos, pouco tempo nos consomem. Seja todo o vosso tempo para viajar, visitando e pregando.
O espaço não dá para relatarmos tudo o que César fez para consolidar a nossa Autonomia. Vamos, porém, mencionar a lista de igrejas que ele visitou no ano de 1934, para dar uma vaga idéia do seu trabalho pessoal. Não eram visitas simples, em que recebia honras e homenagens, mas viagens de serviço, com análise dos livros, da escrituração, da visita a pontos estratégicos, com reuniões com oficiais da igreja, visitas a autoridades das cidades e muita coisa mais, como se pode ver, através do Expositor Cristão, na seção quase permanente, “Superintendência Episcopal”, na qual relatava os seus passos através de todo o Brasil metodista de então.
Mal chegou do Concílio Geral de Porto Alegre, onde fora eleito bispo em 13 de janeiro, em viagem de navio na qual deve ter trabalhado muito para elaborar os seus planos de trabalho, efetuou sua mudança para Juiz de Fora e saiu ao campo. Relata o seu princípio no Expositor Cristão [7].
Começou com visita a Petrópolis, dias 15 e 16 de fevereiro de 1934, no dia 18, pela manhã esteve em Vila Isabel, à noite no Catete, no dia 29 reuniu-se com pastores, missionários e oficiais das igrejas e, à noite, esteve na igreja de Cascadura, onde pregou sobre evangelização. Na reunião com os pastores, na sede da Sociedade Bíblica Americana, César diz o que fez na reunião: “Ventilei-lhes as nossas grandes necessidades: organizar, evangelizar e estabelecer bem depressa o sustento próprio. Apontei-lhes alguns caminhos que temos para esses três fins”.
No dia seguinte, dia 20 de Fevereiro, falou à igreja de Juiz de Fora, onde tinha sido pastor. Na manhã seguinte, “reunião com um grupo de ministros e leigos para passar por instantes de oração e lhes falar sobre evangelização, Missões Nacionais, etc.”. Já em março, esteve em São Paulo, Marília e Porto Alegre. No mês de abril de 1934, dirigiu concílio distrital no Rio de Janeiro, aproveitando para pregar, no dia 8, em São João e São João de Meriti. No dia seguinte, já estava em Pindamonhangaba, seguindo, depois, para Taubaté, São Paulo, igreja Central, Ipiranga, Mooca, Luz e Brás. Logo depois, está em Marília, Lins, Promissão (paróquia de Promissão e Guaiçara), Penápolis, Birigui, Guarantã, Pirajui, Presidente Alves, Bauru, Porto União e, já em junho, Jacarezinho (sede do circuito paranaense), Cambará (“igreja que fornece recursos para a organização e manutenção da paróquia de Londrina”, Londrina (onde pregou num cinema e deram o primeiro passo 60 candidatos”), Ourinhos, Presidente Prudente, Presidente Bernardes, Cândido Mota (que César destaca dizendo que “essa paróquia deve ser a maior do Brasil em número de pontos de pregação, 29, distanciados um dos outros até 60 km”), Avaré e, já no Rio de Janeiro, depois de uma reunião da Junta Geral de Missões em São Paulo, no dia 16, Realengo e Cascadura.
Junho não foi diferente. Esteve em Belo Horizonte, para concílio distrital, onde pregou três vezes, esteve na Congregação do Cálix Comum, na Igreja da Praça, nas capelas de Vila Concórdia e de Carlos Prates, em Ouro Preto, em Congonhas, Lafaiete, em Anta e no Rio de Janeiro, onde esteve presente num Congresso de Mulheres. Em ouro Preto, ele narra que, no dia 14, no teatro Municipal da cidade, fez conferência sobre “A natureza da salvação que o cristianismo oferece”. E continua a viajar para consolidar a Autonomia: Catete, Niterói, Inhoaíba e Orfanato Ana Gonzaga, Jardim Botânico, Imprensa Metodista, Brás, Vila Isabel, Petrópolis, Fagundes, Juiz de Fora, Barra Mansa, Tucuruvi, São Paulo Central, Santos e, indo para o Sul, Porto União, Rosário, Santana do Livramento, Uruguaiana, São Borja, Santa Maria (cidade onde nasceu), Cachoeira, Rio Pardo, Montenegro, Garibaldi, Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Porto Alegre, onde preside o Concílio Regional do Sul, Joiner, Glória, Wesley, Barra da Ribeira, Paulo de Tarso, Central de Porto Alegre e Institucional.
César sabia muito bem que, para transformar a Igreja Metodista numa grande igreja, com unidade de doutrina, prática e organização, era preciso estar presente e capacitar, especialmente os pastores. Em suas visitas episcopais, ele sempre achou tempo para ensinar os leigos e pastores a fazer melhor o seu trabalho. Uma das preocupações de César com os pastores era o cumprimento do item canônico relativo a transferências dos membros para outras igrejas. Nós tínhamos um formulário que era usado nos casos de transferência. Ele era picotado e, ao receber uma transferência, o pastor era obrigado a devolver a parte de baixo do formulário, que era chamada nos Cânones de “acuso”, ao pastor que enviava a transferência. Ele só podia dar baixa do rol do membro transferido depois de receber o “acuso”. Os próprios pastores acabavam fiscalizando uns aos outros e essa providência evitava duplicações de nome, com membros arrolados em duas paróquias. O bispo César era rigoroso nisto também.
Os tempos do episcopado de César eram difíceis. Éramos uma igreja pobre, muito pobre. Não se tinha sedes, episcopal ou regionais. No caso de um bispo itinerante como ele, que seguia bem o lema wesleyano “o mundo é a minha paróquia”, ele estava sempre em viagens. Por isso, ele era um bispo que pastoreava por cartas. Escritas à mão ou datilografadas numa velha Smith Corona portátil, ele escrevia muito aos pastores e, em especial, aos superintendentes episcopais, com os quais era muito exigente.
Na aproximação de um concílio regional, ele fazia uma circular, normalmente mimeografada, mas algumas vezes até impressa, em tipos pequenos para economizar no custo de impressão, com dezenas de recomendações, tudo de modo a fazer o concílio fluir com rapidez e eficiência. Tenho nos meus arquivos a circular de convocação para o último Concílio Regional do Norte que presidiu, realizado em Juiz de Fora de 8 a 13 de fevereiro de 1955. Tem quatro páginas, com 23 itens. Para facilitar os trabalhos do concílio e não deixar faltar nenhuma informação, ele lista tudo o que um pastor precisa levar para a reunião. Uns dos itens, o no 17, tem a seguinte redação: “Evite e impugne qualquer parecer, sugestão, manobra, etc., mesmo suposições, cálculos, cochichos, a respeito das nomeações pastorais. Cultive o espírito da itinerância com a maior nobreza possível”. No item 21, César diz, com sua autoridade e zelo, quais devem ser as prioridades de uma igreja local: agora e sempre, hoje e todos os dias, lembre-se de que o mais importante, o mais necessário, o mais urgente, em cada paróquia, não é o motociclo, alto falante, harmônio, púlpitos e bancadas renovados, etc., mas RESIDÊNCIA PAROQUIAL e SUSTENTO PRÓPRIO. Como a questão de ser independente financeiramente é questão de brio para o indivíduo, deve ser de senso das próprias responsabilidades para cada paróquia.
Por causa dessa preocupação com sustento próprio, uma questão de honra – que era um dos alvos do Movimento Leigo, na década de 1920 – César escreveria carta a meu pai [8] na qual dizia o seguinte: “Sem dúvida, Deus tem abençoado a nossa Autonomia. Estou convencido de que ela, historicamente, foi o passo mais feliz que até agora conseguimos dar. Resta-nos a proclamação de nossa Independência, pelo menos financeira. Trabalhemos por consegui-la”. O grande consolidador da Autonomia, ainda não estava satisfeito com tudo o que já tinha sido conseguido. Só no Concílio Geral de 70/71, na reforma de nossa Constituição, deixou de existir o Conselho Central, criado pela Constituição de 1930 [9] (art. VII, Seção 1), e mantido, como art. 22, da Constituição aprovada em 1934, que vigorou até 1971. Esse Conselho Central foi criado por exigência da Igreja-Mãe e faz parte da Declaração da Autonomia da Igreja Metodista do Brasil [10].
* João Wesley Dornellas é ex-professor de História do Metodismo no Seminário Metodista César Dacorso Filho, membro da World Methodist Historical Society, idealizador, membro fundador e primeiro presidente da Seção Brasileira da Sociedade Mundial de História do Metodismo, membro da Ordem do Mérito Metodista como um dos “Metodistas Eméritos do Século 20”, leigo, membro da Igreja Metodista de Vila Isabel no Rio de Janeiro.
--------------------------------------------------------------------------------
Notas
[1] Jeremias 3.21.
[2] Expositor Cristão, vol. 47, nº 5, 8 de fevereiro de 1933.
[3] Idem.
[4] Expositor Cristão, Vol. 49, nº 3, de 24 de janeiro de 1934.
[5] Guaracy Silveira se refere ao Concílio que substituíra a Conferência Central Brasileira, que abrangia o Estado de São Paulo, passada a chamar, a partir do Concílio Geral de Porto Alegre, Concílio Regional do Centro.
[6] Expositor Cristão, Vol. 49, nº 23, de 20 de maio de 1934.
[7] Expositor Cristão, Vol. 49-nº 8, de 7 de março de 1934.
[8] Carta de 10/09/1952, ao Rev. Sebastião Dornellas Hastenreiter, pai do autor, em meu arquivo pessoal.
[9] Expositor Cristão, Vol. 44, nº 34, de 17 de setembro de 1930.
[10] Idem, ibidem.
2ª Região Eclesiástica - Rua São Vicente, 180 - Rio Branco - Porto Alegre - RS - Cep 90630-180 - Fone: 51 3276.1430
|